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Paula Mendes

Mais um blog sobre livros

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Review: A esquerda não é woke, Susan Neiman

Andava muito ansiosa por ler este livro desde que soube da sua existência. Numa ida ao Porto, em Março, aproveitei para passar na livraria da Leya (excelente sítio para visitar, já agora) e garanti a minha cópia que esteve a olhar para mim na estante até este mês.

 

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Nos últimos tempos tenho ouvido muitos comentadores, políticos e figuras do nosso país falarem que a sociedade portuguesa está a ficar muito polarizada e extrema. Mas será que isso é mesmo verdade?

 

As últimas eleições trouxeram à vista de toda a gente uma nova organização parlamentar. Os dois grandes partidos portugueses estão a perder seguidores e a esquerda, que até agora pautou a governação do nosso país, dá lugar ao crescimento da extrema direita. Os eleitores de esquerda não estão a migrar de ideologia, mas aqueles que pertenciam à abstenção, veem-se agora representados por partidos que dizem não representar o sistema, mas que estão tão enlameados nele que já só se vêem os olhos.

 

O que distingue a esquerda dos liberais é a ideia de que, além dos direitos políticos que garantem a liberdade de expressão, de culto, de deslocação e de voto, também temos direitos sociais, que estão na base do exercício efetivo dos direitos políticos.

 

Com o crescimento das redes sociais, enquanto canal fácil e rápido de comunicação, tem crescido um movimento chamado cancel culture, no qual de forma sintetizada, um grupo de pessoas com uma opinião “cancelam” outras que divirjam das suas crenças. 

 

No outro dia vi um story no Instagram que dizia algo como, os esquerdistas não aceitam quando a direita ganha eleições, alegando que são extremistas ou fascistas só porque têm uma opinião divergente. Ora esta crítica não está a fazer o mesmo que a crítica em si? A generalização é perigosa para os dois lados e aqui temos um cheirinho desta nova cultura de wokers.

 

As ideias mudaram a realidade para as pessoas de cor, as mulheres e os membros das comunidades LGBTQ que tiveram a sorte de viver em países onde outras ideias ressoam.

 

Eu cresci numa família tendenciosamente inclinada para a direita, no entanto sou uma votante convicta de esquerda. Esta diversificação de ideologias na minha família permitiu-me ser exposta a várias opiniões, quer concordasse ou não com elas e encontrar pontos de fundamentação em ambas. O que está a acontecer com a cultura dos wokers, muitas vezes confundida erroneamente com ideologia de esquerda, é o típico ou estamos com eles ou contra eles. Não existe um meio termo e não existe uma análise neutra. 

 

A viragem à direita na política israelita levou o Estado a adotar uma política consciente de instrumentalização da memória do Holocausto para desviar todas as críticas à Ocupação.

 

Além disso, as opiniões e ações das pessoas são julgadas considerando aquela que é uma opinião geral, sem uma contextualização histórica ou cultural. É óbvio para nós, em 2025, que escravizar pessoas é errado e desumano, mas não podemos julgar aquilo que se passou há mais de 500 anos atrás à luz daquilo que sabemos agora e acusar todo um povo (isto claro pegando na polémica da compensação das ex-colónias, da qual sou a favor na medida em que a invasão dos povos europeus dos territórios africanos resultou num atraso civilizacional que só pode ser derrotado com a ajuda de todos). 

 

Aqueles que se esforçam por entrar numa outra língua ou cultura ganham, no entanto, algo de inestimável: a iluminação do mundo a partir de uma outra perspetiva; a perceção de que a sua própria perspetiva é inevitavelmente parcial; e a consciência visceral da nossa Humanidade comum.

 

Este novo livro da Susan Neiman não pretende e não acho que seja de todo um livro político, mas sim uma obra filosófica. Onde a autora expõe vários movimentos que foram surgindo ligados com as ideologias políticas. Não é uma obra super completa sobre o movimento, mas permite-nos iniciar o caminho no conhecimento do conceito, do seu surgimento e consequências. Recomendo esta leitura para aqueles que têm interesse em saber um pouco mais sobre a cultura woke, mas não é uma leitura suficiente para irem mais a fundo no assunto.

 

Nietzsche escreveu que a esperança era o pior de todos os males da caixa de Pandora, pois assegura que seremos eternamente atormentados.

 

Este livro também se dirige a todos os que confundem "esquerda" com woke, uma confusão que desacredita a esquerda em muitos aspetos.

 

A minha avaliação: 3