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Paula Mendes

Mais um blog sobre livros

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Review: A História de Roma, de Joana Bértholo

Causou-me muitos mixed feelings!

 

Já há vários meses que tenho vindo a adiar a leitura deste livro de Joana Bértholo, mas face à minha decisão de ler mais autores portugueses, decidi finalmente desvendar esta história (que não se passa em Roma, ao contrário do que o título pode transmitir).

 

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Tenho que admitir que só comecei a gostar realmente do livro na segunda metade, não é o tipo de escrita que me fascina, essencialmente porque existem muitas ações a acontecer ao mesmo tempo e histórias sobre as quais a autora nos vai dando algumas informações, mas que nunca chegamos realmente a perceber a 100%. Apesar disso, o final conquistou-me. 

 

Naquele tempo, acreditava que, se um dia fosse mãe, lhe daria um nome de lugar. Lassa ou Cairo, se nascesse rapaz; Odessa ou Roma, se rapariga.

 

Este foi um dos ensaios mais diretos que já li sobre o direito a não querer ser mãe.

 

Crescemos numa sociedade que impôs à geração das nossas avós e mães o sentimento de que só se sentiriam verdadeiramente felizes e realizadas se usassem o seu dom da maternidade. 

 

talvez ser mãe esteja ligado a ser filha. Pode ser que a filha que fui determine em parte a mãe que poderia ter sido. Tanto quanto não-sido.

 

Mas só um não chega, não basta seres mãe uma vez, tens que o fazer duas, três, as vezes que forem necessárias para te sentires finalmente uma mulher completa. 

 

Ora, a minha geração foi educada de uma forma diferente. O feminismo ensinou-nos que conceber não é sinónimo de ser mulher, existem muitas outras formas de nos sentirmos realizadas além da maternidade. A nossa geração conquistou o direito a não querer. A não querer ser mãe, não colocar a carreira em segundo lugar, não nos diminuirmos e não adiarmos os nossos sonhos por um futuro que pode nunca ser escrito. E com isto, não estou a dizer que há algo de mal em querer ser mãe, muito pelo contrário, a beleza do feminismo assenta na liberdade de escolha. A Joana, personagem principal do livro, representa-nos a todas, de uma certa forma, porque ela simboliza, na minha opinião, a escolha. O facto de ser normal querer ser mãe, mas do contrário também.

 

Tanto quanto nunca quis não ter filhos. Ou seja, não nunca quis ter filhos; ou nunca não quis ter filhos; ou nunca quis ter não filhos; ou até: nunca quis ter filhos não. Experimentei um não em cada posição da frase, falhou-me a sintaxe.

 

A História de Roma consiste num conjunto de histórias espaçadas no tempo e no espaço, muitas ficam-se pelos detalhes que só podemos imaginar, outras descrevem de forma crua as vivências de um casal, de uma história, de um amor que nasceu, floresceu e murchou (como tudo na vida). 

 

Experimentei acariciar os teus cabelos, na curiosidade de saber se ainda despertava em mim algo próximo do desejo. Não. Os teus eram só os cabelos de um homem, já não eram sagrados. Não senti nada.

 

Joana Bértholo leva-nos pelas ruas de Buenos Aires, de Lisboa, de Berlim, de Marselha e de Beirute, cada cidade tem uma influência direta na relação deste casal e dá-nos detalhes sobre o que aconteceu na vida destes dois jovens para que a sua relação se rompesse como uma corda gasta do tempo. 

 

Quase no fim do livro, o personagem masculino diz uma frase que me deixou a pensar.

 

O problema é que há aqui um desiquilíbrio. (...) O problema é que eu fui muito mais importante para ti do que tu para mim.

 

Porque na realidade em cada relação, quer seja de amor ou amizade, os dois intervenientes sentem as coisas que acontecem de forma diferente, existem sempre duas versões para a mesma história e podem ser bem distintas. No caso deste casal, Joana tinha uma perceção muito mais intensa da sua relação do que ele, para ela tinha sido um amor profundo, para ele não tinha passado de um mero encontro (feliz) na vida. 

 

Este livro de Joana Bértholo não ficou de todo aquém das expectativas que tinha sobre ele e por isso recomendo a leitura. Mas aviso de antemão que não será fácil de ler e recomendo que, caso estejam a ler a versão física, o façam com um dicionário à mão, porque existe muito vocabulário que não utilizamos vulgarmente.

 

A minha avaliação: 4