Review: Leme, Madalena Sá Fernandes
Este livro lê-se de uma assentada só.
Estava muito curiosa por ler este livro da Madalena Sá Fernandes e continuo com muita vontade de ler o seu novo livro, Deriva, apesar de não ter ficado particularmente fã deste.
Leme é um registo autobiográfico sobre a infância e adolescência da autora, marcadas por uma relação abusiva com um padrasto, Paulo, que inferniza a vida da autora e da sua mãe. Desde abusos físicos a psicológicos, Paulo tem comportamentos ambíguos podendo ser muito agressivo física e psicologicamente, como cuidadoso e atencioso quando a raiva passava.
Tem uma personalidade tipicamente abusiva, que procura transpor um sentimento de culpa na vítima, mostrando o seu arrependimento sempre que um abuso é perpetuado, para que seja perdoado. Este perdão mantém os abusos como se de um loop se tratasse, voltando quando menos se espera.
Eu tinha muito medo. Medo da noite, que trazia a imprevisibilidade. Medo da força dele, dos urros que se soltavam do seu corpo e que apareciam de surpresa na madrugada.
Este é um relato bastante importante para a sensibilização a violência doméstica e de como existe uma inação total da sociedade perante estes casos. A mãe da autora denuncia várias vezes o caso à polícia que nada faz, é do conhecimento de amigos e vizinhos que esta família está exposta a comportamentos abusivos e mesmo assim nada é feito para proteger as vítimas. Acho que está na altura de metermos a colher entre marido e mulher, porque já chega de vítimas e já chega de mortes. Felizmente esta história termina bem, mas há tantas por aí que acabam tragicamente, não façamos ouvidos moucos a estes casos.
De um modo geral, gostei do livro, a escrita é muito fluida, mas ao mesmo tempo achei um pouco repetitiva. A história não segue uma linha de pensamento, os capítulos curtos são desabafos da autora espaçados no tempo e na ação. A certa altura estava um pouco farta de ouvir falar do Paulo, acho que faltou mais sobre a autora, sobre como esta vivência a afetou, como foi fugir desta situação abusiva, como foi a relação dela com a mãe assim que saíram de casa, etc.
Li uma vez que escrever é mais sobre vestirmo-nos do que sobre despirmo-nos. Que chegamos nus à página, vulneráveis, e que a partir daí vamos colocando peças de roupa, camadas e camadas que vão cobrindo e protegendo a nudez.
De qualquer das formas, felicito a autora pela coragem de transpor para o papel este episódio tão traumático da sua vida, dando um testemunho com o qual muitas vítimas de violência poderão se identificar.
Os livros não servem apenas para nos entreter, são uma excelente forma de nos sensibilizar para temas difíceis e acho que acima de tudo este é o propósito deste livro e cumpriu-o com distinção.
Alguém desse lado já leu este livro? Recomendam a deriva?
Fico a aguardar as vossas respostas!
A minha avaliação: 3.5